A PRIMEIRA DEFESA

17-10-2009 14:42

EXT. UMA PRAÇA DA CIDADE – NOITE

Lucas está sentado no banco de uma praça, conversando com

um amigo. A rua está deserta e, de repente, um carro

estaciona do outro lado. Ricardo desce do veículo com uma

arma em punho, olhando fixamente para Lucas, e caminha em

sua direção. Lucas tenta falar algo, mas não consegue, pois

é tomado de imenso pavor. O amigo que estava conversando

com ele corre em disparada e Ricardo dispara um tiro conta

Lucas, cujo corpo cai do banco e fica desfalecido no chão

da praça. Ricardo entra no carro que arranca cantando pneu

e desaparece ao dobrar a esquina.

FADE OUT

INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA - NOITE

FADE IN

André e Bruna, dois advogados, estão sentados à mesa. André

de um lado e Bruna do outro. André é um advogado mais velho

e com mais experiência. Bruna, por sua vez, é uma recém

formada que irá realizar sua primeira defesa no dia

seguinte.

BRUNA

Pois é André. Amanhã participarei de minha

primeira audiência. Estou ansiosa, mas com medo.

ANDRÉ

Não precisa ficar com medo Bruna, todos nós

advogados temos a nossa primeira vez. Você se

acostuma com o tempo.

BRUNA

Mas o problema é que tenho que defender uma

pessoa que matou alguém. É um caso complicado e

muito delicado.

Bruna arruma o cabelo.

André coloca a mão no queixo, como gesto de quem está

pensativo.

ANDRÉ

Você tem razão, e é quase impossível provar a

inocência de Ricardo. Mas, me diga uma coisa que

não entendi até agora. Por que o Ricardo matou

Lucas? Eles não eram amigos há tanto tempo?

BRUNA

Sim, desde a época do colégio. Vou lhe contar a

história. Ricardo, por ser um pouco gordo, sempre

foi chamado de Baleia, inclusive por Lucas. Ele

cresceu ouvindo isso e não fazia questão. Depois

Ricardo se casou, teve filhos e os dois amigos

continuaram visitando um a casa do outro e Lucas

continuou chamando Ricardo de Baleia, como fazia

desde que eram garotos.

Bruna é interrompida por André

ANDRÉ

E quem nunca teve um apelido na infância!?

BRUNA

Pois é. Mas o apelido, de repente, começou a

desagradar Ricardo. Era Baleia pra cá... Baleia

pra lá... até que um dia, Ricardo pediu para que

Lucas nunca mais o chamasse pelo apelido, pois

agora ele tinha uma esposa e filhos e ‘não pegava

bem’ ser a todo momento chamado de Baleia na

frente de sua família.

ANDRÉ

Então foi assim que começou a desavença entre os

amigos?

BRUNA

Foi. Apesar do pedido de Ricardo, Lucas continuou

chamando o amigo pelo apelido. Até que um dia,

após ser chamado de Baleia na frente de todos os

colegas e familiares numa festa, decidiu matar

Lucas no dia seguinte. E foi o que aconteceu.

ANDRÉ

Que história trágica, morto por ter chamado o

amigo pelo apelido.

BRUNA

E agora Ricardo é meu cliente e deverei defendêlo

amanhã. O problema é que sou inexperiente e

esse será o primeiro julgamento do qual participo

e não sei como farei a defesa.

ANDRÉ

Calma, você já estudou bem o caso e com certeza

sairá bem sucedida. Isso será bom para o seu

aprendizado.

Bruna fica em pé.

BRUNA

Bom André, agora preciso ir, já está tarde. Outro

dia nos falamos.

ANDRÉ

Tudo bem, depois você me conta os detalhes.

André se levanta também e estende a mão para Bruna, como

gesto de despedida. Bruna a segura e, depois de soltá-la,

dirigi-se à porta, gira a maçaneta e é interrompida por

André.

ANDRÉ

Boa sorte minha amiga!

BRUNA

Obrigada.

Bruna abre a porta, sai e a fecha em seguida. A câmera foca

a porta fechada do interior do escritório.

FADE OUT

INT. CASA DE BRUNA – NOITE

FADE IN

A mão de Bruna move a maçaneta para fechar a porta de sua

casa. Depois, abre os braços, levantando-os para o alto,

espreguiçando-se. Em seguida boceja de sono e diz alto

consigo mesma:

BRUNA

Enfim em casa, agora posso descansar.

FADE OUT

INT. QUARTO DE BRUNA – NOITE

FADE IN

Bruna está deitada na cama, dormindo. De repente, ela

começa a sonhar que está caminhando sozinha numa rua, a

pensar no julgamento do qual participará. Em seu pensamento

ela reflete de que forma poderá defender Ricardo e sobre

quais argumentos ela poderia utilizar.

FADE OUT

EXT. CALÇADA DE UMA RUA, DURANTE O SONHO DE BRUNA – DIA

FADE IN

Enquanto Bruna caminha, um mendigo aparece repentinamente

atrás dela e toca-lhe o ombro. Ele possui um ar sereno e

uma voz que denota calma e sabedoria. Ela fica assustada.

BRUNA

O que você quer? Eu não tenho dinheiro!

MENDIGO

Parece que você estava reflexiva!? Posso lhe

ajudar em algo?

Bruna coloca as mãos na cintura, em gesto de indignação.

BRUNA

Você não pode me ajudar em nada!

MENDIGO

Posso lhe ajudar?

BRUNA

Não.

MENDIGO

Posso lhe ajudar?

BRUNA

Já disse que não!

MENDIGO

Posso lhe ajudar?

Bruna fica nervosa, se altera e grita para o mendigo.

BRUNA

Cala a boca, você está me deixando doida!

Bruna olha para o lado e, quando volta-se para o mendigo,

ele havia desaparecido misteriosamente.

FADE OUT

INT. QUARTO DE BRUNA – NOITE

FADE IN

Automaticamente, quando o mendigo desaparece, no sonho,

Bruna acorda e se senta repentinamente na cama. Ela está

ofegante, como quem despertada de um pesadelo terrível. Ela

olha o despertador que está em cima do criado-mudo, ao lado

da cama. O relógio marca 3h15 da manhã. Bruna deita-se

novamente e recomeça a dormir.

FADE OUT

INT. QUARTO DE BRUNA – DIA

FADE IN

O despertador toca, marcando 7h30. Bruna senta-se na cama,

boceja e se espreguiça. Pega uma agenda, que estava ao lado

do despertador e a abre numa página marcada por uma fita.

Lê-se no canto superior da página: “Quarta-feira, 25 de

agosto de 2009”. Em baixo, grafado à caneta, lê-se: “Minha

primeira defesa”. Bruna levanta-se da cama, dirige-se à

janela e a abre. Lá fora o dia está lindo.

BRUNA

Que Deus me ajude.

Bruna fecha a janela.

FADE OUT

INT. SALA DE AUDIÊNCIA DO FÓRUM - DIA

FADE IN

O juiz encontra-se no centro da sala, sentado do lado

oposto da porta de entrada. Ao seu lado direito, alguns

familiares de Lucas e o advogado de sua família. Ao seu

lado esquerdo, Bruna e alguns familiares do acusado.

Ricardo também está sentado numa cadeira ao lado esquerdo,

porém, afastado de seus parentes. Há também algumas

testemunhas de ambos os lados.

JUIZ

Iniciemos então essa audiência, para julgar

Ricardo Silva Gonzáles, pelo assassinato de Lucas

Pereira da Costa. Primeiro, peço que o senhor

Ricardo se defenda, dizendo se é culpado ou

inocente pela morte de Lucas.

RICARDO

Senhor juiz, eu me considero culpado do sangue de

Lucas. Realmente, fui eu quem o matou. Mas, eu

não estava em um estado mental normal. Estava

muito nervoso e alterado, pois ele havia me

chamado de Baleia. Ouvi isso durante muitos anos,

mas chegou aquele dia, no qual não suportei mais

ser chamado assim e cometi o crime.

JUIZ

Passo a palavra agora à advogada do réu, para que

demonstre defesa em favor de seu cliente.

BRUNA

Meritíssimo, como o próprio Ricardo expressou,

ele não se encontrava em suas faculdades mentais

normais. Um louco não deve ir para a cadeia, pois

não tem culpa de seus atos. Ele, na verdade,

precisa de tratamento.

JUIZ

Passo agora a palavra ao advogado da família de

Lucas. O que o senhor argumenta diante da

explanação da senhora Bruna?

ADVOGADO DA FAMÍLIA DE LUCAS

Concordo com a senhora Bruna de que loucos não

devem ser condenados, mas esse não é o caso do

senhor Ricardo. Tanto que ele confessou o crime

no dia posterior, como também fez agora. Loucos

não confessam crimes, pois não sabem o que fazem.

Toca uma música branda. Alternadamente aparecem, em câmera

lenta, os dois advogados falando. Ora um, ora outro, cada

um defendendo seus clientes. Foca-se o rosto de Bruna, que

está pensativa. Ela se sente sem saber o que fazer após

tanta discussão e então se lembra do sonho da noite

passada, do mendigo... e de como ele repetidas vezes lhe

perguntava: “Posso lhe ajudar”? Bruna parece ter desvendado

um grande mistério, parece que não está mais naquela sala,

durante a audiência. Está sim num mundo particular, de seus

pensamentos, do seu interior. E algo lhe diz interiormente:

“Repita você também”! Bruna é interrompida repentinamente

pelo Juiz.

JUIZ

Bruna, a senhora tem algo mais a dizer?

Bruna se espanta, como se voltasse para o mundo real.

BRUNA

Meritíssimo Juiz, senhor advogado e povo aqui

presente. Meritíssimo Juiz, senhor advogado e

povo aqui presente. Meritíssimo Juiz, senhor

advogado e povo aqui presente. Meritíssimo Juiz,

senhor advogado e povo aqui presente. Meritíssimo

Juiz, senhor advogado e povo aqui presente...

Bruna repete isso várias vezes, até ser interrompida pelo

Juiz. Ele fala muito nervoso, alterado, gritando.

JUIZ

O que significa isso, senhora Bruna?! Por que

toda essa repetição?

BRUNA

Pois é Meritíssimo. Se o senhor ficou nervoso e

se alterou com algumas repetições que fiz,

imagine o senhor Ricardo, que foi chamado de

Baleia, repetidas vezes, por praticamente toda a

vida. O senhor mesmo se mostrou agora alterado e

foi um estado assim que levou o senhor Ricardo a

cometer o crime.

O juiz olha surpreso para Bruna, como que admirando sua

eloquência. Todos também ficam espantados e cochicham uns

aos outros. O juiz bate o martelo em sua mesa.

JUIZ

Silêncio no tribunal.

O silêncio se faz reinante novamente. O juiz assina um

documento que está sob sua mesa.

JUIZ

Dou por encerrado esse processo e a sentença é a

seguinte: Pelo crime que cometeu o senhor

Ricardo, ele deveria pegar, ao menos, trinta e

cinco anos de prisão. No entanto, declaro que ele

cumprirá apenas vinte anos e depois será posto em

liberdade.

FADE OUT

INT. QUARTO DE BRUNA – DIA

FADE IN

O despertador toca, marcando 7h30. Bruna senta-se na cama,

boceja e se espreguiça. Pega uma agenda, que estava ao lado

do despertador e a abre numa página marcada por uma fita.

Lê-se no canto superior da página: “Quarta-feira, 25 de

agosto de 2009”. Em baixo, grafado à caneta, lê-se: “Minha

primeira defesa”. Bruna levanta-se da cama, dirige-se à

janela e a abre. Lá fora o dia está lindo.

BRUNA

Que Deus me ajude.

Bruna fecha a janela.

FIM

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